segunda-feira, 5 de julho de 2010

respostaaumajovemestudante

"Fala-se em modernização, na valorização da mulher como artista. Mas penso que neste século (segundo uma idéia de Paulo Emílio Sales Gomes) a modernização em geral só modernizou a burguesia. Pertenço, por exemplo, a uma corporação que precisa procurar sempre outros recursos além dos relativamente modestos proporcionados pela atividade literária, são raros os escritores que ficaram ricos com o dinheiro dos livros. Os outros ficam aí se virando na voragem de uma vida que virou um artigo de luxo. Confesso que há muito me vejo reivindicando maior valorização no campo da palavra escrita, combati o bom combate. Quanto às mulheres propriamente burguesas, essas não precisam mesmo de nenhum amparo.

Não somos inocentes e por isso sabemos que há no Brasil três espécies em processo de extinção: a árvore, o índio e o escritor. Mas isso eu escrevi há alguns anos porque não é mais o escritor que está em processo de extinção, mas sim o leitor que está em fuga desabalada. Quanto à árvore creio que não é preciso acrescentar mais nada, que tristeza ver as florestas sendo devastadas. E o índio?

Quando andei pela África, um dos homens da Unesco me disse: 'Cada vez que morre um velho africano é assim como uma biblioteca que se incendeia'. Será que antes de chegarmos à solução final do nosso problema indígena teremos ainda tempo de captar um pouco desse legado? Um pouco da sua arte e da sua vida nas quais o sagrado e a beleza se confundem para alimentar a nossa cultura e o nosso remorso.

E resistimos, testemunhas e participantes deste tempo e desta sociedade com o que tem de bom e de ruim. E tem ruim à beça, inspiração é o que não falta aos que escrevem. E falei agora uma palavra que saiu de moda e é insubstituível, inspiração.

(...)

A loucura, o vício, a paixão, ah! eu teria que ter o fôlego de sete vidas, assim como os gatos, para escrever sobre esse mar oculto."


Lygia Fagundes Telles / Durante aquele estranho chá


Lygia sempre falando por mim.
Sem mais.

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