domingo, 12 de agosto de 2012

Redescobrindo o sal que está na própria pele


A primeira vez que ouvi Elis eu devia ter uns 14 anos. Foi em uma aula em que a professora colocou Como Nossos Pais enquanto explicava sobre literatura na época da ditadura militar. Essas coisas que todo mundo já sabe e eu não preciso comentar.

Desde então passei a ouvir/entender/amar a música popular brasileira. A história, a luta, os recados por entre as linhas de tantos clássicos desse país imensamente rico: musical e culturalmente falando.

Elis foi porta de entrada e quando descobri ela já estava morta há quase vinte anos.

Pouco depois surgiu a 'filha da Elis', como todos chamavam. Essa eu pude acompanhar de perto e quem me conhece sabe. Vi cada show, cada música de seu repertório inédito, cada lágrima a cada crítica feita por ela ter nascido do ventre da melhor cantora que o Brasil já teve - e jamais terá outra igual. Acompanhei cada entrevista em que ela dizia se recusar a cantar qualquer canção do repertório de sua mãe. As comparações já eram devastadoras (tem sempre os infelizes e fanáticos, certo?!) e ela parecia irredutível diante de qualquer possibilidade em chegar perto da memória musical de Elis.

Quase dez anos se passaram desde que Maria Rita se lançou no mercado fonográfico. E cá está ela, completamente segura de si, fazendo um show em homenagem não só à sua mãe; mas à melhor cantora do Brasil. Elis Regina.

Não vim aqui para descrever técnicas, set list, iluminação, arranjos (apesar da banda ser maravilhosa), etc. Vim apenas para dizer o óbvio: Maria Rita se superou ao fazer o repertório da mãe em um concerto de duas horas. Eu vi de perto seu olhar à qualquer menção de Elis, sua mãe, a cantora, a artista. E como fã que eu era, entendia e compreendia o medo de, musicalmente, ela se lançar pro mundo com um repertório tão importante como o da maior cantora do país.

Não acompanhei Elis. Conheço talvez 65% de todo o seu repertório. Mas em questão de vê-la, ao vivo, se esgoelando... vi poucos vídeos. E achei incrível a naturalidade de Maria Rita ao cantar a sua mãe - em nenhum momento no show lembro dela mencionar "Elis" - somente "minha mãe". Porque era o que ela estava fazendo: homenageando sua mãe, que infelizmente, lhe foi tirada antes da hora.

Maria Rita foi ela mesma no palco, desde seu primeiro "Maria Rita" em 2002. E as músicas de sua mãe couberam em sua voz como mágica. Coisa que nunca imaginei, para ser honesta. Deve ser a tal da genética. Deve ser o tal do talento.

Não vivi a época da ditadura. Não vi Elis cantando e brigando pelo Henfil. Não vi Elis gravando com Tom. Não vi Elis brincando de roda enquanto cantava Gonzaguinha. Não vi Elis lagrimando em Atrás da Porta. Não presenciei nem sequer a sua morte.

Mas participei da trajetória de sua filha. E hoje, pude presenciar um pedacinho da Elis no palco. Um pedacinho do seu cabelo, do seu sorriso, do seu jeito desengonçado, da sua voz. Um pedacinho de um tempo o qual não vivi.

E foi brilhantemente sutil. E genuinamente emocionante.
E eu, tendo Maria Rita como ídola de adolescência, me orgulho do que ela musicalmente se tornou. E do que ela conseguiu passar por cima para chegar ali, onde todos nós que a vimos de cachinhos curtinhos fazendo a Festa do Milton, nem imaginávamos que fosse possível.

Canta, que a vida passa
E se ela passa
Melhor cantar