A Viagem de Theo, romance das religiões por Catharine Clement, trata de um garoto de 14 anos com uma grave doença, provavelmente incurável. Sua tia, Marthe, resolve levá-lo para viajar pelo mundo. Eles passam por Jerusalém, Cairo, India, Japão, Brasil, Praga... entre outros lugares. O objetivo? Conhecer, aprender e viver um pouco de cada religião. Abaixo, há um trecho editado do livro. Onde Théo, no final de sua viagem, encontra sua avó e conta um pouco sobre sua experiência e o fato de ter sido curado. Ele mostra que a fé provém do sentir, e não de um deus específico. Do acreditar.
O tema já foi abordado aqui anteriormente; mas esse trecho do livro é essencial - aos crentes e aos descrentes.
- Vou te explicar. Escute... Vejo as religiões como os galhos de uma árvore. Uma só árvore grande, com raízes subterrâneas que correm sob a Terra inteira... Depois o tronco sai da terra, bem reto, bem limpo. A árvore é um baobá da África, porque pode-se gravar em sua casca o que bem entender. Leia você mesma: 'Deus existe para o bem do homem'. É o que está escrito no tronco.
Todas as religiões querem reunir e proteger. Para consegui-lo, exigem elas, não se pode desviar um milímetro. Uma árvore tem que ser regada com água limpa. Não se pode fazer xixi nela, nem estragá-la jogando lixo em seu pé. Também não pode haver poluição! Portanto, as religiões se preocupam muito com a pureza. Isso também, a proteção contra a poluição, está no tronco comum. O adubo também, que se chama sacrifício.
Acontece que os primeiros jardineiros de Deus morrem. Os seguintes brigam uns com os outros, parece que é humano. Cada jardineiro tem sua opinião sobre o adubo. Um belo dia, cada um deles publica seu manual de instruções para a manutenção da árvore. Todas as religiões põem-se a defender e a combater. A coisa não funciona mais. E quando, a cada primavera, a árvore volta a dar brotos, cada um dos jardineiros reserva para si um galho, cada um dos quais com seu deus.
Dizem que os jardineiros são enviados de Deus. Aparentemente, têm dicas sobre a árvore, o que eles chamam de revelações. Estiveram no alto da montanha, ou retiraram-se para o deserto, para a floresta, viveram na neve, na areia, longe, em todo caso. São meio malucos e muito sábios... Como um se parece com o outro! Moisés, Jesus, Maomé, Buda, Joseph Smith...
- Deus meu! Você voltou ateu!
- De jeito nenhum! A força do divino eu senti, garanto! Simplesmente, eu a encontrei em toda parte, só isso. As raízes é que falam através dos galhos. Mas se for preciso escolher um galho, então fico atrapalhado! Tenho vontade de subir na árvore. Não muito. Gostaria mesmo é de me instalar num galho meio baixo de onde poderia ficar de olho na hera. Ver o jardineiro trabalhar, dizer-lhe que não pode muito, que serre direito, que não estrague a árvore tirando lascas nela toda.
Também lhe diria que a deixasse em paz na primavera: há um tempo para podar, um tempo para adubar. Eu lhe pediria que não protegesse os galhos com redes ou grades. Que não tirasse os ninhos, mesmo que os passarinhos façam sujeira. A sujeira faz parte da vida árvore.
- Cuidado com o pecado, meu filho. É fácil ser expulso do paraíso!
- É o que Deus tem de chato. Ele é violento demais! Quando não está satisfeito, maneja o raio. É excessivo, convenhamos.
- Quem é você para julgar Deus, seu vermezinho?
- Eu sou somente eu. Está certo, não é grande coisa. Mas se você for lógica, terá que admitir que Deus me criou assim.
- Pois bem, Deus fez poucas e boas!
- Ah! Está vendo? Você também o julga!
- Enfim... quem te curou, Theo?
- Umas pessoas. Bons jardineiros. Existem em toda parte.
- Então não foi Deus?
- Foi a árvore. Posso chamá-la de Deus, se te agrada.